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sábado, 9 de agosto de 2014

Diga-me o que você faz quando ninguém está vendo que te direi quem és.

     Essa semana mesmo estava conversando com uma colega de trabalho sobre filmes, e por algum motivo caímos em Ensaio Sobre a Cegueira, adaptação do livro homônimo do Saramago. Essa colega me disse não gostar do filme justamente pelo motivo que me faz gostar mais do mesmo : especular sobre a verdadeira natureza do ser humano.

     E eis que da última semana para cá, muitas pessoas testemunharam uma outra versão de um outro ensaio sobre a cegueira. A cegueira dessa vez é o anonimato e os afetados por ela incluem eu, você e qualquer outra pessoa, sem distinção. 

    Estou falando do recente e polêmico aplicativo disponibilizado para iOS e Android, o Secret. O aplicativo tem por objetivo ser uma plataforma onde as pessoas possam compartilhar seus segredos de forma anônima para seus amigos e amigos de amigos no facebook e receber um feedback dos mesmos na forma de comentários e curtidas, que espalham o "segredo", tudo de forma anônima.

Secret, disponível para Android e iOS


     Me perdoe agora pela expressão, mas o que aconteceu após sua explosiva popularização é que em vez de segredos soprados ao vento, foi merda atirada no ventilador mesmo. As pessoas até aderiram a idéia de espalhar segredos por aí, mas o que aconteceu é que elas começaram a aparentemente espalhar o segredo dos outros, citando nomes e usando fotos (algumas várias, proibidas para menores de idade). Não sendo suficiente, outras se aproveitaram do anonimato para transformar o aplicativo no templo virtual da calúnia de da difamação.

    Já tá rolando processo, já tem gente pu** da vida e tudo mais. Quem derrubou o forninho dos outros espalhando mentiras (ou verdade que seja) já está com o c* na mão sabendo que corre o risco de ter o próprio forninho derrubado pela justiça, já que no fim das contas, o anonimato no aplicativo é um mito, visto que todas as contas precisam necessariamente estarem conectadas a uma conta do Facebook ( de preferência uma que não seja fake, já que os segredos são espalhados para os amigos da rede social, o que torna usar um fake um pouco inviável)

    Enfim, isso foi pra introduzir o que que pretendi dizer com essa postagem, já que tem muita gente que ainda não cruzou com o polêmico aplicativo. O ponto que eu queria chegar, o que me levou a escrever esse texto é que isso acabou sendo, aos meus olhos pelo menos, umas fascinante (pra não dizer trágica) experiência social. De volta ao gancho que usei para iniciar esse texto, temos Ensaio Sobre a Cegueira. Para quem não conhece a trama, dá pra resumir mais ou menos assim : um vírus desconhecido causa uma cegueira branca que deixa literalmente o mundo todo (exceto a protagonista) sem enxergar nada. No caos de um mundo cego, as pessoas acabam por revelar quem elas realmente são. Há quem siga os mais primitivos instintos, há quem se aproveite da situação para passar por cima de todo mundo, e há quem continue doce, mesmo no cenário mais amargo.

    E no Secret não foi diferente. Toda a inspiração para escrever sobre isso veio de uma postagem que encontrei no aplicativo hoje pela manhã :



     Não, não é nada caluniando nem difamando ninguém, não é sobre esse ponto que eu vou falar aqui. O que me impressionou de verdade nessa postagem foram os comentários à cerca do desabafo postado no aplicativo. Eu acho uma postagem dessa realmente importante dentro do contexto em que vivemos, onde você encontra alguém usando ( ou vendendo ) drogas em praticamente qualquer meio, do mais alto ao mais baixo que você frequente. Mas algumas pessoas de certo que acharam graça, ao invés de acreditar que algo assim poderia acabar servindo para que outra pessoa passando pela mesma situação veja que há uma saída para o problema que ela está enfrentando. Transcrevo abaixo alguns comentários feitos:

"To vendo pó no teu nariz."

"Vende chaveiro no buso agora?"

"Como vc conseguiu parar? Distanciou de tds os seus amigos q usavam?

Autor da postagem: Meus amigos não usam.

Se seus amigos não usam começou a usar como? Tropeçou e caiu de nariz numa carreira?"


    Bacana. Bacana MESMO. Uma salva de palmas, só que não. É muito engraçado ver um monte de gente criticando fulano por ter feito isso ou ciclano por fazer aquilo. Quantas vezes não ouvi "tem mesmo que se ferrar quem faz isso. Ou o clássico "bandido bom é bandido morto" ou ainda "O mundo está assim por causa das pessoas" entre outras tantas variantes que condenam severamente qualquer um que tenha feito qualquer coisa errada ou imoral.

       Acho realmente engraçado, socialmente, usando o próprio rosto eu duvido que você conheça alguém que faça esse tipo de comentário numa roda de conversa entre amigos ou coisa assim. Se a situação acima fosse contada numa roda de amigos, colegas de trabalho, com certeza as respostas seriam bem diferentes:

"Nossa que exemplo, parabéns pela superação!"

"Sabia que você ia conseguir"

"Parabéns. Continue assim"

     Não entendo, sinceramente não entendo o que leva alguém que tem uma chance, usa-la para espalhar dor numa oportunidade que ela teria pra espalhar amor. Da mesma forma que não entendo , ou melhor, como não quero acreditar que exista alguém que não sonhe, que não deseje um futuro melhor não só para si, mas para todos. Acredito, quero continuar acreditando que todas as pessoas desejam um lugar melhor, que esperam por ele em algum lugar do futuro, por mais utópico que isso possa parecer nos dias de hoje. Por esse motivo, termino esse texto com um pedido, uma súplica a você que acompanhou esse relato até o fim : Se você acredita, se no fundo do seu coração você espera que as coisas realmente sejam diferentes um dia, se esse é um sonho seu, eu te peço : viva desde hoje seu sonho. Se houver uma oportunidade de causar um sorriso ou uma lágrima, escolha sempre o sorriso. Se você tiver a escolha de zombar ou incentivar alguém, incentive. Não importa se ninguém vai ver. Não se importe se o seu ato será "anônimo". Você estará fazendo a sua parte, você terá escolhido ser melhor e tornar as coisas ao seu redor, melhores.




quarta-feira, 19 de março de 2014

Tudo bem em adaptar, mas não esculacha!



Quase um fato certeiro nos dias de hoje é : Se um livro fez sucesso, aguarde a sua adaptação nos cinemas. Boa parte do que estréia hoje nos cinemas é adaptação de alguma obra literária, e não deixo de achar isso positivo para ambas as mídias. Atire a primeira pedra quem nunca descobriu um bom livro/série após assistir a um filme ou vibrou ao ver sua cena favorita criando vida na tela do cinema.

Mas a receita: bom livro = bom filme nem sempre é certeira, tudo bem que adaptar um livro para uma obra cinematográfica é com certeza um desafio e tanto. Tornar visual algo que boa parte do público já criou na própria imaginação é com certeza um dos argumentos que mais prova esse ponto, já que com certeza, essa será a parcela mais crítica da audiência. 

É necessário ao fã do livro aceitar que não é possível recriar em duas, três horas no máximo, toda a emoção que ele vivenciou em 300~400 páginas. Uma mídia é complementar a outra, não substituta. Como já diz o nome, é uma ADAPTAÇÃO.

Mas aí chegamos ao ponto dessa postagem: É uma adaptação, mas também não precisa esculachar!

Estou falando sobre a série Instrumentos Mortais, escrita pela Cassandra Clare*. Tendo sua estréia com o primeiro volume Cidade dos Ossos (The Mortal Instruments -  City of Bones) em 2007 nos EUA e em 2010 em terras tupiniquins a série ambientada numa versão contemporânea do World of Darkness conta a história de Clarissa Fray (aka. Clary) que após testemunhar um "assassinato" que só ela é capaz de ver acaba descobrindo a existência de um grupo de exterminadores de demônios conhecidos como Caçadores de Sombras, com o qual ela já estava envolvida muito mais do que imaginava. Apresentando diversos seres do submundo como fadas, feiticieiros, vampiros, lobisomens, anjos e demônio,e com um "quê" de Constantine, a série cria uma visão moderna e cativante do sobrenatural, além de apresentar um ritmo fluído, misterioso, e agradável de leitura, que te faz devorar um livro atrás do outro.

Cidade dos Ossos é sucedido pelos demais livros da série : Cidade das Cinzas, Cidade de Vidro, Cidade dos Anjos Caídos, Cidade das Almas Perdidas e Cidade do Fogo Celestial, com lançamento previsto para maio deste ano. Ou seja, é uma série com extremo potencial para uma saga de sucesso nos cinemas, mas não é bem por ai que as coisas aconteceram..

Anunciado em junho de 2010 pela Screen Gems (Responsável pelas franquias : Resident Evil e Anjos da Noite) e anunciado para 23 de Agosto de 2013, após diversos problemas que vão desde o afastamento do Sony Pictures do projeto, como a troca do diretor escolhido inicialmente para Harald Zwart (Diretor do remake de Karate Kid) o filme finalmente saiu...



O grande pecado da produção é sem dúvidas o roteiro, que transforma "Adaptação" em "Levemente baseado em". É um dos piores roteiros de adaptação "Livro -  Filme" que já vi, sendo sincero. Houveram tantas mudanças na trama, tantas inclusões de elementos que não estavam presentes no livro e tantas exclusões de cenas marcantes da trama que fica difícil para quem leu o livro acreditar que está acompanhando a mesma história, porque simplesmente não está. Fatos do terceiro livro são incluídos nos primeiros 20 minutos do filme, o final é consideravelmente diferente do livro, e a protagonista faz coisas que simplesmente não existem na história. Existem outros pontos negativos ,mas nenhum é tão gritante. 

Em consequência chegou-se a cogitar a descontinuação da franquia após a fraca recepção do público e as duras críticas recebidas, para se ter uma idéia, das 115 críticas recebidas pelo filme no Rotten Tomatoes, apenas 14 são positivas. Apesar disso, foi anunciada a produção de Cidade das Cinzas, com estréia marcada para algum ponto desse ano, mas tratando-se de uma trama já tão desfigurada em seu primeiro lançamento, uma coisa é clara : Os Instrumentos Mortais podem ter sido um Best-Seller literário, mas jamais repetirão o feito nos cinemas.